sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Crónicas dum assassino

(Musica, desenho e excerto elaborado por: Xufre)


Acordei tarde esperando viver menos um pouco do que se acordasse mais cedo. O corpo doía-me por ter passado longas horas deitado, os olhos estavam irritados, feridos pela luz do meio da tarde.
Olhei o espelho ao lado da cama, vi um quarto caótico, cheio de tralha e vazio de emoções, o sol passava radiante por entre as frestas das persianas batendo-me no corpo. Lembrei-me de mim…de quanto me odeio, de quanto considero a minha existência nula. Era tempo de fazer qualquer coisa.
Levantei-me. Vesti-me com roupas que não deixam transparecer a forma do meu corpo; discreto e deserto, procurei que a minha apatia fosse manifestada claramente, mantendo-me assim afastado de qualquer contacto, ou relação com qualquer pessoa ou situação. E sai de casa.
Óculos negros colocados na face, passo lento e próximo às paredes que delimitam a rua, refugio-me da luz, observo os carros, as pessoas, os excrementos, os animais, os fios eléctricos do tecto da cidade, respiro fundo concentrando-me na busca de um sentido na vida.
Não sei se estes momentos são coisas passageiras, mas se o são estão a demorar em excesso para passar, e além disso são estes momentos que me fazem sentir vivo…
Na mente ecoa um ritmo electrizante, maquinal e repetitivo, entro num transe sustentado pela divagação no mundo urbano, esvaio-me de qualquer emoção por mais ténue que seja, transformo-me num sistema composto por binários simples, equilibrados pela própria tensão do desequilíbrio e transcendo para um mundo que apenas existe cá dentro. Sinto-me o Universo!
Anti -cientifico por natureza, refundo-me nos múltiplos universos que dão forma a este corpo, perco-me na imensidão física e na possibilidade de existir vida em mim, planetas e estrelas a uma escala invisível à nossa magnânime perspectiva de topo da cadeia alimentar.
Neste estado fatídico de extrema solidão reparo que a imaginação potencia a alucinação de pensamentos desconexos, pensamentos esses, que moldam o espaço e o rumo que a vida leva…penso que sou anti – tudo e pró – liberdade, pró – liberdade é ser anti – condicionalismos e vomitar imagens de extrema beleza e crueldade, ver o sangue a jorrar de um crânio simetricamente rasgado, a pele de uma mulher pálida e aquele vermelho desconcertante deslizando suave e quente, roçando os lábios, sabendo a ferro.
Ardente de vingança e de inadaptação, vejo o caminho cobarde de matar tudo o que pertence à humanidade como um escape ao suicídio. Bombas atómicas que devastam qualquer ser com inteligência. Quero uma nova oportunidade para que a natureza se reconfigure e perdure submersa nas suas leis inquestionáveis, nos seus fenómenos regenerativos e automáticos sujeitos a uma regra caótica e evolutiva, destrutiva se necessário, mas livre de nós, do nosso génio intelectual, egoísta e criativo.
Livre de politicas competitivas pelo poder, corruptas pela mesmo desejo que as motiva,…, a mesquinhez deste sistema redutor fortemente sedutor e pouco solidário, capaz de transformar as imagens do paraíso num purgatório ilusório de uma realidade caustica e infernal em que todos representam o que não é da sua real essência.
Prudência e medidas de bom tom, deveriam estar incutidas neste discurso de assassinato, mas a minha essência não é assim e dou por mim isolado em clemência fetal, ansiando que a era de uma nova consciência global brote por artes mágicas no nosso modo de pensar e destrua os alicerces da nossa sociedade, originando quem sabe uma nova Atlântida em que todos sejamos escravos do amor e da felicidade.
Anedótico é o mínimo que posso dizer do que aqui exponho, cómico e infantil, drama romântico de uma criança que não quer crescer para o mundo que herdou. Morte a tudo e a mim, morte sim! Morte para aqui e para lá,…, infantil e anedótico no mínimo!
Onde estou? Limpo a viseira que me veda o olhar para o exterior e vejo que tenho árvores e vento, carros e casas, pessoas, pássaros e gatos, números, mecanismos e sinalética…estou numa rua qualquer, perto de um sitio qualquer que não interessa a ninguém, sinto que os meus genes estão saudosos de um primitivo nomadismo em que a referência era apenas a paisagem virgem. Tenho saudades de andar nu ao sol, ao frio, à luz da lua, sem saber que a roda existe e sem inteligência suficiente para inventar histórias que justificam o surgimento do mundo, olhar para um relâmpago e urinar com medo dele.
Divago e divago um pouco mais até ser noite. Vou para a cama e fantasio com mulheres, fantasio com um único casal solto neste planeta e com todas as opções a seguir, ainda por seguir, penso na descoberta do sexo através da imitação dos outros animais, e o medo de ver os rebentos a serem capturados nas garras de uma águia real, ou pelos dentes risonhos de uma hiena.
Fico com erecção destemida só de imaginar que esse Homem primogénito podia ser eu, e toda a tusa se esvai por saber que mesmo sendo o primeiro não seria de certo o último e o caminho dos descendentes podia levar ao mesmo estado em que nos encontramos agora…
Ouvi o meu nome pairando no ar e despertei para onde estava, perto de um cruzamento no final do terceiro quarteirão a norte da minha casa. Era o homem do talho que me cumprimentava, afiando a sua faca à beira da porta do estabelecimento numa daquelas rodas de pedra antiga, que eram usadas pelos amoladores que musicavam o ar com sons feitos de sopro na sua bicicleta passageira.
 No entanto não foi a pedra que me chamara a atenção, mas sim o meu nome e o brilho intenso do gume afiado que transformara a faca no sol daquele momento.
- Boa tarde, como está?
Perguntei por mera educação, pois não me interessava para nada a resposta que se poderia seguir, mas felizmente o barulho da sua actividade momentânea não o deixara entender com precisão o que eu lhe havia perguntado. Apenas acenou e prossegui o meu caminho.

quinta-feira, 8 de março de 2012



Mais um assassinato ocorreu no meu mundo interno. No dia 21 de Setembro de 2010, numa região meridional com densas cordilheiras de precipícios, ou montanhas que se estendem para as profundezas, com rios de lava e de água que se cruzam em vasos subterrâneos e superficiais que levam à ocorrência de solidificação do magma frequente e desordenadamente.

É aquilo a que se pode chamar de terreno instável onde os seus habitantes apenas dispõem de iluminação piro-plástica e de tochas que se acendem nas ossadas dos defuntos.

A cultura dos nativos é composta por noções em vez de conceitos, fruto dum meio no qual as imagens são percepcionadas por manchas e sombras de contornos pouco definidos, fruto da rugosidade das rochas e da luz incandescente e inconstante, bem como por uma geografia em constante alteração. Assim nunca se pode ter a certeza de nada, é como andar numa floresta durante a noite tendo apenas a lua como fonte de claridade, qualquer sombra nos parece suspeita e activa todo um imaginário de possibilidades que só não é mais mirabolante porque o conhecimento que hoje detemos do mundo, já excluiu a existência de muitas das criaturas que assombravam a imaginação dos antigos.

É por isso uma cultura com valores simbólicos vastos, em que a crença mais bizarra assenta no uso dos ossos dos seus familiares padecidos, para peças de mobília e utensílios da mais variada ordem. Associado a esta crença residem dois factores, o primeiro de ordem prática e relacionado directamente com a escassez de matérias primas, o segundo por uma razão religiosa.

O panorama teológico deste povo é profundamente mitológico e transmitida pela oralidade, não existem escritos sobre o que quer que seja, tudo é contado em torno da escuridão e do fogo, teatralizado pelos gestos e pelo fundo de sombras. Sendo a história mais contada, aquela em que o primeiro homem desafiou o calor da terra e se converteu em pedra como punição, a história é muito simples, mas os valores que são explorados neste conto são de máxima importância para a sobrevivência neste habitat.

Em primeiro lugar há que entender que a vida em si é um milagre maior, e quanto mais tempo a conseguirem conservar mais respeitados são, pois quem o realiza é considerado como um milagre alongado.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012




...ver o sangue a jorrar de um crânio simetricamente rasgado, a pele de uma mulher pálida e aquele vermelho desconcertante deslizando suave e quente, roçando os lábios, sabendo a ferro.